O desenvolvimento sustentável é aquele que satisfaz as necessidades do presente sem comprometer a capacidade das futuras gerações em satisfazer as suas próprias necessidades. Artigo por Márcio Augusto Araújo, consultor do IDHEA – Instituto para o Desenvolvimento da Habitação Ecológica.

A construção sustentável é um sistema construtivo que promove alterações conscientes no meio envolvente, por forma a atender às necessidades de edificação, habitação e uso do homem moderno, preservando o meio ambiente e os recursos naturais, garantindo qualidade de vida para as gerações actuais e futuras.
Essa definição encontra-se de acordo com o conceito de sustentabilidade proposto pelo relatório Bruntland, da ONU, que lançou as bases da economia sustentável a partir do axioma: “Desenvolvimento sustentável é aquele que satisfaz as necessidades do presente sem comprometer a capacidade das futuras gerações em satisfazer as suas próprias necessidades”.
Desde os seus primórdios, em 1973, ano da Crise do Petróleo, a visão sobre o que é a "construção sustentável" tem vindo a modificar-se e aprofundar-se, à semelhança dos organismos vivos quando submetidos a pressões para adequar-se e sobreviver.
No início, a discussão era sobre edifícios energeticamente mais eficientes. O desafio era superar a Crise do Petróleo através de prédios menos "energívoros", nas palavras de Lucia Mascaró, perita em Arquitectura e Meio Ambiente. Depois, o inimigo passou a ser o entulho gerado pela obra; depois, a água; a seguir, o lixo dos moradores e utilizadores; agora, o novo vilão são as emissões de CO2 e os gases responsáveis pelo efeito estufa e o aquecimento global.
Começou-se a perceber que a construção sustentável não é um modelo para resolver problemas pontuais, mas uma nova forma de pensar a própria construção e tudo que a envolve. Trata-se de um enfoque integrado da própria actividade, de uma abordagem sistémica em busca de um novo paradigma: o de intervir no meio ambiente, preservando-o e, em escala evolutiva, recuperando-o e gerando harmonia com a envolvência.
Pensar e viver sustentável
O conceito moderno de construção sustentável baseia-se no desenvolvimento de um modelo que enfrente e proponha soluções aos principais problemas ambientais de sua época, sem renunciar à moderna tecnologia e à criação de edificações que atendam as necessidades de seus utilizadores. Trata-se de uma visão multidisciplinar e complexa, que integra diferentes áreas do conhecimento a fim de reproduzir a diversidade que compõe o próprio mundo. A construção sustentável edifica microcosmos. Na sua base teórica encontram-se conhecimentos de arquitectura, engenharia, paisagismo, saneamento, química, elétrica, eletrónica, mas também de antropologia, biologia, medicina, sociologia, psicologia, filosofia, história e espiritualidade.
Por isso, para se atingir uma construção sustentável que atenda as recomendações das Normas ISO 21930 e ISO 15392, é importante pensar e actuar de forma holística, sem dividir e decompor em partes estanques e separadas o que se propõe para a edificação. Não se trata de formar inúmeras equipas multidisciplinares, cada qual especializada em um campo na obra sustentável – o que a tornaria acessível apenas a proprietários e investidores de alto poder aquisitivo –, mas sim de criar a cultura da sustentabilidade no seio da própria sociedade. Dessa forma, muito mais do que um tema de “domínio público” do qual muito se fala, mas pouco se faz, o conhecimento da construção sustentável poderá tornar-se um saber e um viver público, ou seja, um processo cultural.
“Edificação sustentável é aquela que pode manter moderadamente ou melhorar a qualidade de vida e harmonizar-se com o clima, a tradição, a cultura e o ambiente na região, ao mesmo tempo em que conserva a energia e os recursos, recicla materiais e reduz as substâncias perigosas dentro da capacidade dos ecossistemas locais e globais, ao longo do ciclo de vida do edifício. (ISO/TC 59/SC3 N 459)”
Princípios gerais
A moderna construção sustentável, num ideal de perfeição, deve visar a sua auto-suficiência e até a sua auto-sustentabilidade, que é o patamar mais elevado da construção sustentável. Autosustentabilidade é a capacidade de manter-se a si mesmo, atendendo as suas próprias necessidades, gerando e reciclando os seus próprios recursos a partir do seu sítio de implantação. As directrizes gerais para edificações sustentáveis podem ser resumidas em nove passos principais, que estão em conformidade com o que recomendam alguns dos principais sistemas de avaliação e certificação de obras no mundo. Os nove passos para a obra sustentável são:
- Planeamento sustentável da obra
- Aproveitamento passivo dos recursos naturais
- Eficiência energética
- Gestão e economia da água
- Gestão dos resíduos na edificação
- Qualidade do ar e do ambiente interior
- Conforto termo-acústico
- Uso racional de materiais
- Uso de produtos e tecnologias ambientalmente amigáveis
Cada um destes passos é imprescindível para se chegar a uma obra sustentável ou mesmo autosustentável, assim como, no corpo humano, não se pode prescindir de nenhum dos órgãos vitais, como o coração, o fígado, os pulmões, os rins e o cérebro. Um resumo breve de cada um destes passos é:
- planeamento do ciclo de vida da edificação – esta deve ser económica, ter longa vida útil e conter apenas materiais com potencial para, no fim da sua vida útil (ao chegar o instante de sua demolição), ser reciclados ou reutilizados. A sua meta deve ser resíduo zero;
- proveitamento dos recursos naturais como o sol, a humidade, o vento ou a vegetação para promover o conforto e o bem-estar dos ocupantes e integrar a habitação com a envolvência, além de economizar recursos finitos, como a energia e a água;
- eficiência energética - resolver ou atenuar as necessidades de energia geradas pela edificação, preconizando o uso de energias renováveis e sistemas para redução no consumo de energia e climatização do ambiente;
- eficiência na gestão e uso da água – economizar a água; tratá-la localmente e reciclá-la, além de aproveitar recursos como a água da chuva;
- eficiência na gestão dos resíduos gerados pelos utilizadores da edificação;
- prover excelentes condições termo-acústicas, de forma a melhorar a qualidade de vida física e psicológica dos indivíduos;
- criar um ambiente interno e externo com elevada qualidade no que toca a paisagem local e qualidade atmosférica e eléctrica do ar
- prover saúde e bem-estar aos seus ocupantes ou moradores e preservar o meio ambiente.
- usar materiais que não comprometam o meio ambiente nem a saúde dos ocupantes e que contribuam para promover um estilo de vida sustentável e a consciência ambiental dos indivíduos.
- resolver localmente ou minimizar a geração de resíduos;
- estimular um novo modelo económico-social que gere empresas de produtos e serviços sustentáveis e dissemine consciência ambiental entre colaboradores, fornecedores, comunidade e clientes;
Edificação saudável
Toda edificação sustentável é saudável. A finalidade de uma construção sustentável não é apenas preservar o meio ambiente, mas também proteger seus ocupantes ou moradores da poluição dos grandes centros urbanos. Não pode gerar doenças, como os prédios que acarretam a Síndrome do Edifício Doente (SEE*).
A edificação sustentável deve funcionar como uma segunda pele do morador ou usuário. Ela é a sua extensão, como ensina o geobiólogo espanhol Mariano Bueno. A edificação deve funcionar como um ecossistema particular. Assim como no planeta Terra, as interacções no interior e entorno da eco-habitação devem reproduzir ao máximo as condições do meio: humidade relativa do ar adequada para o ser humano, temperatura estável, sensações de conforto, segurança e bem-estar.
Materiais
A escolha dos produtos e materiais para uma obra sustentável deve obedecer a critérios específicos – como a origem da matéria-prima, extracção, processamento, gastos com energia para transformação, emissão de poluentes, biocompatibilidade, durabilidade, qualidade, entre outros –, que permita classificá-los como sustentáveis e elevar o padrão da obra, bem como melhorar a qualidade de vida de seus utilizadores/habitantes e da própria envolvência. Essa selecção também deve atender a parâmetros de inserção, estando de acordo com a geografia circundante, história,
tipologias, ecossistema, condições climátericas, resistência, responsabilidade social, entre outras leituras do
ambiente de implantação da obra.
É importante evitar ou minimizar o uso de materiais sobre os quais pairem suspeitas ou que reconhecidamente acarretem problemas ambientais, tais como o PVC (policloreto de vinil), que gera impactos com a sua produção, o uso e descarte/degradação (a combustão gera ácido clorídrico e dioxina) e alumínio (que provoca grandes impactos ambientais com a sua extracção e requer imensos gastos energéticos durante sua produção e mesmo reciclagem, se comparado a outros materiais). Outros produtos, quando na ausência de opções mais eco-eficientes, devem ser usados criteriosamente no interior da edificação, como é o caso de materiais compensados ou de madeira recomposta, como os OSBs e MDFs, que contêm adesivos à base de formaldeído (substância tóxica) e que não são recicláveis nem biodegradáveis.
A obra sustentável
O número de etapas a ser observadas para se chegar a uma obra sustentável e saudável é grande, uma vez que a mesma é, parodiando o escritor e filósofo italiano Umberto Eco, aberta, mutável e em permanente evolução e melhoria. Como prerrogativa da construção sustentável recomenda-se a aceitação de dois elementos-chave: 1) a sua complexidade; e 2) a sua pluralidade. Uma obra sustentável jamais pode ser copiada sem deixar de ser fiel a si mesma, pois é um sistema ‘vivo’, que obedece ao princípio de que ‘cada organismo tem sua própria necessidade de
interacção com o meio’. Não há, portanto, uma receita para uma obra sustentável, mas pontos em comum que devem ser atingidos, em conformidade com a máxima “Pensar globalmente e agir localmente”.
É a partir do local de implantação e de todas suas interacções (ecológicas, sociais, económicas, biológicas e humanas), do perfil do cliente e das necessidades do projecto, que se define uma obra sustentável.
Referências:
1 – Tecnologia Apropriada. Tecnologia desenvolvida pelo próprio morador e/ou comunidade, com aplicação no próprio local. Termo cunhado na década de 1970, pelo economista E.F.Schumacher.
2 – Autoconstrução. Sistema construtivo em que o próprio morador e/ou comunidade constróem sua habitação, com ou sem a ajuda de um profissional da área.
3 - Síndrome do Edifício Enfermo (SEE). Patologia catalogada pela OMS (Organização Mundial da Saúde) no início da década de 1980, cuja ocorrência se dá em prédios e edifícios com má ventilação e baixa dispersão de poluentes internos (gás carbônico, fumaça de cigarro e automóvel, emissão e acúmulo de compostos orgânicos voláteis). Considera-se que um edifício está “enfermo” quando cerca de 20% de seus moradores ou usuários apresentam sintomas semelhantes como: irritação nasal e ocular, problemas respiratórios e mal-estares em geral.
4- Permacultura – A palavra “permacultura” é um neologismo cunhado pelo australiano Bill Mollinson a partir da aglutinação das palavras perma(nente) e (agri)cultura. A permacultura, mais do que um modo sustentável para construção, consiste num estilo de vida sustentável, que toma por base a agricultura e o chamado “design da natureza”, de forma a criar um ambiente que integre o ser humano ao meio ambiente.
Autor: Márcio Augusto Araújo