A recente aprovação do regime jurídico aplicável ao autoconsumo de energia renovável, com o Decreto-Lei n.º 162/2019 de 25 de outubro, trouxe-me à memória o filme “A Batalha das Correntes” que se baseia em factos reais e que dramatiza a incrível história da disputa pública entre Thomas Edison e George Westinghouse pelo domínio da eletricidade. Uma história que veio a determinar o mundo tal como hoje o conhecemos.

Ao ouvirmos o termo micro-redes, somos levados a pensar num sistema elétrico futurista alimentado por painéis solares. No entanto, as micro-redes existem desde os dias de Thomas Edison e Nikola Tesla e não foram apenas os seus nomes que permaneceram connosco nos últimos 130 anos. Os seus legados ainda hoje permanecem nas empresas com as quais comercializamos eletricidade.
O guião do filme “A Batalha das Correntes”, no original “The Current War”, trata da disputa ocorrida nas duas últimas décadas do século XIX, mas a tecnologia de Edison e Tesla ainda hoje permanece connosco. Os seus projetos para a distribuição de energia elétrica provam quão desatualizada a nossa conceção de rede elétrica se veio a tornar e leva-nos a pensar como deveremos ir mais além, com um modelo baseado em tecnologias digitais integrando microrredes que têm como fonte a energia renovável.
Uma rede tão antiga que até Edison a reconheceria
“A Batalha das Correntes”, aborda a rivalidade entre Thomas Edison, um defensor do uso da corrente continua, e George Westinghouse, que comprou algumas das patentes de Tesla e se tornou num grande investidor na energia elétrica em corrente alternada. A competição iria fazer as suas primeiras vítimas, um elefante supostamente indisciplinado, um punhado de cães e um prisioneiro seriam eletrocutados! [1]
Não quero estragar-vos o filme dizendo quem ganhou esta batalha, mas abordo este tema porque as suas implicações persistem até aos dias de hoje. De facto, Edison reconheceria facilmente a rede de hoje; comparemos com as telecomunicações, outra tecnologia importante desenvolvida no final de 1800, e que é tão diferente no mundo digital de hoje.
A rede elétrica em corrente alternada teve o seu desenvolvimento com base no modelo preconizado por Westinghouse, na produção centralizada e em longas linhas de transmissão.
Apesar deste modelo centralizado apresentar benefícios em eficiência, também tem os seus inconvenientes: basta pensarmos nas linhas aéreas de média tensão que atravessam largas faixas de florestas e que potenciam o risco de incêndio, particularmente durante condições atmosféricas secas e de muito vento.
O modelo descentralizado de Edison que faz coincidir localmente a produção com o consumo, minimiza a extensão das linhas de transmissão e confina as interrupções de energia. Este é um modelo que faz ainda mais sentido agora que temos a tecnologia para digitalizar, descarbonizar e descentralizar o nosso sistema elétrico.
De facto, vivemos um momento crucial na evolução tecnológica do sistema elétrico. Nunca antes na história tivemos atores tão capacitados para o operar de forma tão apropriada e em tempo real. Esta oportunidade tecnológica permite-nos transformar radicalmente o modo como fazemos a produção, a transmissão e o consumo da energia elétrica. A solução chave para esta transformação: micro-redes.
Micro-redes: Uma mega-tendência na transição energética
A gestão da rede elétrica em boas condições tornou-se mais difícil. “Apagões” generalizados têm deixado milhões de pessoas sem energia, por longas horas e um pouco por todo o lado. Ironicamente, ainda este verão, duas grandes interrupções em Nova York deixaram a rede elétrica fora de serviço, lançando o caos na cidade onde a era da eletricidade começou.
As alterações climáticas e o envelhecimento da infraestrutura elétrica causam ainda mais pressão na rede, ficando cada vez mais difícil de a manter em serviço.
Consideremos a primeira central elétrica de Edison, construída em 1882. A Estação Pearl Street era essencialmente uma micro-rede na sua versão inicial, fornecendo eletricidade por meio de geração a vapor a 0,65 km na área comercial de Manhattan.[2]
É importante notar que não queremos construir as micro-redes que Edison reconheceria. Existem diferentes tipos de micro-redes: as que funcionam com combustíveis fósseis e aquelas que funcionam com energia solar, eólica e outras fontes renováveis. Existem micro-redes simples que envolvem pouco mais do que um gerador e alguns equipamentos elétricos, e aquelas que utilizam soluções digitais avançadas para gerar inteligência e fluxos de energia bidirecionais.
Os benefícios das micro-redes: Por que precisamos delas?
Micro-redes simples baseadas em geradores a diesel existem há décadas. Se quisermos enfrentar as mudanças climáticas e o envelhecimento da infraestrutura elétrica, necessitamos de um novo modelo: micro-redes digitalizadas e com energia renovável. É esta nova abordagem que mais surpreenderia Edison.
Os geradores a diesel podem ter custos operacionais mais elevados durante as longas interrupções, e as emissões daí resultantes são pouco sustentáveis. As microrredes digitais de energia renovável, por outro lado, fornecem energia limpa e aumentam a resiliência e a fiabilidade.
Energy as a service e novos modelos de financiamento
Embora possa parecer que as micro-redes de energia renovável envolvem um maior investimento de capital, tudo isto está a mudar radicalmente. Novos modelos de negócios, tais como energy as a service, eliminam custos iniciais e transferem as responsabilidades técnicas e regulamentares para o fornecedor de serviços de energia. A energia como serviço está a tornar as micro-redes acessíveis a empresas comerciais e industriais.
O futuro da energia elétrica passa por Porto Santo
No filme “A Batalha das Correntes”, Edison e Westinghouse lutam por diferentes visões concorrentes para o futuro da energia. E é esse o mesmo espírito de inovação que impulsiona a nossa posição, na defesa da energia descentralizada, digitalizada e descarbonizada. Um bom exemplo é o projeto Porto Santo Sustentável.
Em conjunto com a Empresa de Electricidade da Madeira S.A. (EEM), a Schneider Electric implementou soluções para a rede elétrica da ilha de Porto Santo. Este inovador projeto é ambicioso e pretende, até 2020, transformar Porto Santo num "laboratório" para as novas tecnologias ligadas às energias renováveis e tornar a ilha no primeiro território europeu sem recurso a energias fósseis e de emissões quase nulas de CO2, numa estratégia energética e ambiental que irá garantir a sustentabilidade da ilha num futuro médio e de longo termo. [3]
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[1] Smithsonian (2011). “Edison vs. Westinghouse: A shocking rivalry.” https://www.smithsonianmag.com/history/edison-vs-westinghouse-a-shocking-rivalry-102146036/
[2] Engineering and Technology History Wiki. “Milestones: Pearl Street Station, 1882.” https://ethw.org/Milestones:Pearl_Street_Station,_1882
[3] “Porto Santo Sustentável.” https://www.schneider-electric.com/en/work/products/medium-voltage-switchgear-and-energy-automation/news/2019/porto-santo.jsp
E não deixe de ler o relatório sobre o futuro da energia, The Digital Grid Unleashed.
AUTOR: Carlos Duarte | Engineering Offices Manager & EcoStruxure Deployment, Schneider Electric Portugal