Análise do novo regime jurídico da actividade de pequena produção descentralizada de electricidade, regulado pelo Decreto-Lei n.º 34/2011, de 08 de Março, com destaque para os aspectos mais relevantes como as condições de acesso à actividade, os direitos e deveres do produtor e os regimes remuneratórios e sancionatórios. Por Gonçalo Pinheiro Torres e Mariana Lemos, Advogados da Pinheiro Torres, Cabral, Sousa e Silva & Associados, Sociedade de Advogados, R.L.

Pelo Decreto-Lei n.º 34/2011, de 08 de Março, o Governo português procedeu à revogação do Decreto-Lei n.º 68/2002, de 25 de Março, relativo ao regime da pequena produção de electricidade para auto-consumo, aprovando, em sua substituição, o regime jurídico de produção de electricidade a partir de recursos renováveis, por intermédio de
instalações de pequena potência designadas por unidades de mini-produção.
Ficou, todavia, expressamente salvaguardada a continuação da aplicação do Decreto-Lei ora revogado às instalações de produção de electricidade licenciadas no âmbito desse regime jurídico.
Nos termos do novo regime, a “mini-produção” de energia é entendida como a actividade de pequena escala de produção descentralizada de electricidade, recorrendo, para tal, a recursos renováveis e entregando, contra remuneração, electricidade à rede pública, na condição de que exista um consumo efectivo de electricidade no local
da instalação. Por unidade de mini-produção deve entender-se a instalação de produção de electricidade, a partir de energias renováveis, baseada numa só tecnologia de produção cuja potência de ligação à rede seja igual ou inferior a 250 KW.
Para exercer a actividade de mini-produção de electricidade é necessário o preenchimento cumulativo, à data do pedido de registo, dos seguintes requisitos:
- dispôr de uma instalação de utilização de energia eléctrica e ser titular de um contrato de compra e venda de electricidade, em execução, celebrado com um comercializador;
- a unidade de mini-produção ser instalada no local servido pela instalação eléctrica de utilização;
- a potência de ligação da unidade de mini--produção não ser superior a 50% da potência contratada no contrato atrás referido;
- a energia consumida na instalação de utilização ser igual ou superior a 50% da energia produzida pela unidade de mini-produção.
A violação dos dois últimos requisitos constitui contra-ordenação punível com coima de € 250 a € 3.740, no caso de pessoas singulares e de € 500 a € 44.800,00, no caso de pessoas colectivas.
Estabeleceu-se ainda que o acesso à actividade de mini-produção depende de registo e subsequente obtenção de certificado de exploração da instalação, sendo que, a cada unidade de mini-produção apenas poderá corresponder um registo e não são cumuláveis registos relativos a unidades de micro-produção e de mini-produção. O pedido de registo de uma unidade de mini-produção está sujeito ao pagamento de uma taxa. A entidade titular de um registo para produção de electricidade por intermédio de uma unidade de mini-produção, é denominada produtor. Note-se que pode ainda ser produtor de electricidade, por intermédio de uma unidade de produção, nas condições atrás referidas, uma entidade terceira, que seja autorizada pelo titular do contrato.
O processo de gestão da mini-produção compete à Direcção-Geral de Energia e Geologia (DGEG) que deve, nomeadamente, criar, manter e gerir o Sistema de Registo da Mini-produção (SRMini), proceder ao registo da instalação de mini-produção e emitir o respectivo certificado de exploração de que depende o exercício desta actividade.
Assim, qualquer interessado na mini-produção (pessoa singular ou colectiva) deve efectuar o registo na plataforma electrónica do SRMini, cujo acesso se faz através do website Renovaveis na hora. O procedimento de registo inicia-se com a inscrição do produtor naquela plataforma e tem-se por concluído com a atribuição de potência de ligação. Segue-se a fase de execução, com a instalação da unidade de mini-produção, a realização da acção de inspecção e, finalmente, com a atribuição do certificado de exploração. Emitido este certificado, ainda que provisório, o produtor enquadrado no regime bonificado e o comercializador identificado no registo de instalação de mini-produção irão ser contactados pelo SRMini, com vista à conclusão do contrato de compra e venda da electricidade oriunda da
mini-produção.
As unidades de mini-produção estão sujeitas à fiscalização para verificar a sua conformidade com o disposto no diploma que regula a mini-produção de electricidade e demais regulamentação aplicável, sendo objecto de acções de fiscalização anual, pelo menos, 1% do parque de instalações de mini-produção registadas. Eventuais desconformidades detectadas são passíveis de serem sancionadas com coimas que vão de € 250 a € 3.740,
no caso de pessoas singulares, e de € 500 a € 44.800,00, no caso de pessoas colectivas. O regime de mini-produção permite ao produtor consumir a electricidade produzida pela sua instalação e vendê-la, à rede eléctrica de
serviço público (RESP) com tarifa bonificada, num dos regimes previstos naquele diploma.
Assim, no âmbito do exercício da actividade de mini-produção de electricidade, o produtor tem direito a estabelecer uma unidade de mini-produção por cada instalação eléctrica de utilização, a ligar a unidade de mini-produção à RESP, após a emissão do certificado de exploração e a celebração do respectivo contrato de compra e venda de electricidade e a vender a totalidade da energia activa produzida, líquida do consumo dos serviços auxiliares com os limites estabelecidos no diploma em análise.
Quanto aos deveres do produtor de electricidade, sem prejuízo da demais previstos em legislação aplicável, o novo regime impõe o dever de entregar à RESP a totalidade da energia activa produzida, de produzir a electricidade apenas a partir da fonte de energia registada e de suportar os custos da ligação à RESP, nos termos do Regulamento
de Relações Comerciais, incluindo o respectivo contador de venda. A violação do dever de entregar à RESP a energia produzida ou de assegurar que os equipamentos instalados se encontram certificados constitui uma
contra-ordenação punível com coima.
Sendo a entrega de electricidade produzida em instalações de mini-produção à rede pública feita contra remuneração, o presente diploma prevê dois regimes remuneratórios à escolha do produtor: o regime geral e o regime bonificado. O regime geral é aplicável a todos os que tenham acedido à actividade de mini-produção e que não se enquadrem no regime bonificado. Neste, a venda de electricidade produzida é remunerada segundo as condições de mercado, nos termos vigentes para a produção do regime ordinário. O regime bonificado depende do preenchimento dos seguintes requisitos cumulativos:
- a potência de ligação da respectiva unidade de mini-produção ser superior ao limite legalmente estabelecido para o acesso ao regime bonificado no âmbito do regime jurídico da actividade de micro-produção;
- a unidade de mini-produção utilizar uma das fontes de energia renovável solar, eólica, hídrica, biogás, biomassa e pilhas de combustível com base em hidrogénio proveniente de mini-produção renovável.
Caso reúna estes requisitos, deve o produtor solicitar o enquadramento no regime bonificado. O acesso a este regime depende também de uma prévia comprovação, à data do pedido de inspecção, da realização de auditoria energética que determine a implementação de medidas de eficiência energética. A venda de electricidade através do regime bonificado com inobservância dos requisitos enunciados constitui uma contra-ordenação punível com coima. Assim, o limite máximo de potência de ligação à rede é sempre de 250 kW, não podendo nunca exceder este valor qualquer que seja o regime remuneratório adoptado para esta actividade. Porém, o limite mínimo ou inferior varia consoante o regime remuneratório pretendido, sendo que no regime remuneratório geral este limite inferior deve situar-se acima dos previstos para a actividade de micro-produção, ou seja, deve ser superior a 5,75 kW, ou no
caso de condomínios, superior a 11,04 kW, enquanto que no regime remuneratório bonificado, o limite mínimo da mini-produção deve ser superior a 3,68 kW, ou no caso de condomínios, superior a 11,04 kW.
O Decreto-Lei n.º 34/2011, de 08 de Março, veio, assim, impor novas condições para o exercício da actividade de “mini-produção” de electricidade, como a obrigatoriedade de consumo de metade da energia produzida e a imposição de potência máxima para a ligação à rede de 250 KW, assim como impôr requisitos mais exigente para o acesso à mesma. A maior regulamentação que este diploma veio imprimir ao regime jurídico da “mini-produção”, agravou, consequentemente, o seu regime sancionatório, tornando mais penosa a violação do seu conteúdo, através
do aumento das condutas passíveis de serem sancionadas, do agravamento do valor máximo das coimas aplicáveis (especialmente para as pessoas colectivas) e do alargamento do regime das sanções acessórias.
Fonte: Renováveis Magazine