Uma análise das instalações residenciais. Por Engº Manuel Bolotinha

Tal como os seres vivos, também os materiais e componentes das instalações eléctricas sofrem um processo natural de envelhecimento, que origina a perda ou diminuição drástica das suas propriedades físicas e químicas, e consequentemente das suas propriedades eléctricas.
Este fenómeno de envelhecimento natural tem como resultado que a instalação eléctrica fica mais sujeita a defeitos e a curto-circuitos, que podem causar incêndios que põem em risco a integridade da instalação e a segurança das pessoas.
Para além deste envelhecimento natural, os equipamentos e materiais podem também estar sujeitos ao que habitualmente se designa por envelhecimento precoce. Este tipo de envelhecimento resulta, geralmente, de uma utilização indevida da instalação, designadamente sujeitando-a a sobrecargas e sobreaquecimentos, situação que acelera a degradação dos materiais e equipamentos, ou seja a perda das suas propriedades físicas e químicas, cujas consequências já foram anteriormente referidas.
A taxa de falhas de qualquer tipo de material é representada por uma curva, designada por curva da banheira, que se representa na Figura 1.
No período de vida útil as falhas são aleatórias e constantes. No traçado da curva da banheira definem-se ainda dois períodos: a mortalidade infantil, que corresponde à mortalidade inicial, e a mortalidade de desgaste.
A mortalidade infantil pode resultar de erros de projecto, problemas de fabricação, componentes incorrectos, defeitos de instalação e montagem incorrecta. Resolvidos os problemas que estão na origem desta mortalidade, ela diminui e os materiais comportam-se, do ponto de vista de mortalidade, como a situação estabelecida para a vida útil.
A mortalidade de desgaste caracteriza-se por um intenso aumento do número de falhas e corresponde ao fim da vida útil dos materiais e equipamentos.
O envelhecimento precoce anteriormente referido tem como resultado que a mortalidade de desgaste dos materiais aconteça mais cedo do que ocorreria se a utilização da instalação fosse a considerada normal e para a qual ela foi dimensionada.
Em instalações de produção, transporte e distribuição de energia eléctrica, instalações industriais relevantes e edifícios ou construções similares destinadas a escritórios, salas de espectáculo e centros comerciais existe habitualmente um programa de manutenção preventiva que entre outras acções avalia o envelhecimento dos materiais e equipamentos, promovendo a sua reparação e/ou substituição.
Situação bem diferente acontece nas instalações habitacionais, onde não existem planos de manutenção e o envelhecimento dos materiais e equipamentos eléctricos não só não é controlado, como pode ser acelerado (envelhecimento precoce), designadamente se houver modificações da instalação e/ou das cargas, a que corresponda uma situação de sobrecarga da instalação.
Enumeram-se seguidamente o que consideramos serem as situações mais críticas, resultantes do envelhecimento das instalações eléctricas residenciais.
- Um dos materiais cujo envelhecimento é mais preocupante, pelas consequências que daí resultam, é a isolação dos condutores e cabos. A perda ou diminuição significativa das suas propriedades físicas e químicas originam a perda ou diminuição das suas propriedades dieléctricas, podendo verificar-se uma situação de ruptura dieléctrica[1], o que aumenta consideravelmente a probabilidade de se desenvolver um curto-circuito, que pode gerar um incêndio
- O envelhecimento dos materiais que constituem as almas condutoras de cabos e condutores pode causar a diminuição da ductilidade e o aumento da rigidez, daqueles materiais, de que poderá resultar a perda da capacidade para o condutor suportar a corrente eléctrica para o qual foi dimensionado. Este facto traduz-se num aumento da resistência do condutor, dando origem a um sobreaquecimento (lei de Joule – W = RI2t), que por sua vez é um fator de envelhecimento precoce da isolação.
- A modificação das características dos condutores atrás descrita pode originar diminuição do aperto dos condutores. Esta diminuição do aperto daqueles elementos condutores e a diminuição dos apertos que se pode verificar seja nos aparelhos seja nos quadros eléctricos, é também uma consequência do envelhecimento da instalação. Nesta situação verifica-se um aumento da resistência de contacto e, consequentemente, de um sobreaquecimento da instalação, que para além de danos na isolação pode dar origem a incêndio.
- O envelhecimento dos disjuntores instalados nos quadros eléctricos resulta, habitualmente, do fato de serem ultrapassados o número de manobras e os valores das correntes de curto-circuito que são capazes de interromper com segurança, de acordo com os dados dos fabricantes. Como consequência os disjuntores podem falhar na interrupção da corrente de curto-circuito e eventualmente incendiarem-se, alargando o incêndio ao quadro eléctrico e possivelmente à instalação eléctrica, com efeitos que podem ser catastróficos.
- As tomadas constituem um foco de envelhecimento, geralmente precoce, da instalação, por nelas se ligarem cargas com valores superiores aos garantidos pelos fabricantes. Os alvéolos das tomadas deixam de garantir o contacto perfeito com a ficha, isto é, aumentam a resistência de contacto, cujas consequências já foram analisadas anteriormente.
Não é possível indicar um tempo a partir do qual os materiais e equipamentos eléctricos atingem o fim da sua vida útil, ou seja, a mortalidade de desgaste.
Para garantir a integridade da instalação eléctrica é necessário que esta seja inspecionada e ensaiada (ensaios de isolamento e dieléctricos) periodicamente, por um técnico credenciado (5 anos, por exemplo; este tempo deve ser reduzido se tiver acontecido um qualquer acidente grave de origem eléctrica, que justifique uma intervenção imediata).
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[1] A ruptura dieléctrica de um material isolante acontece quando o valor do campo eléctrico a que ficam submetidos é muito intenso, tornando esses materiais condutores. Diz-se que, nestas circunstâncias, se dá uma disrupção.
Sobre o autor:
Manuel Bolotinha
Engenheiro Electrotécnico – Energia e Sistemas de Potência (IST – 1974)
Mestre em Engenharia Elécttotécnica e de Computadores (FCT-UNL – 2017)
Consultor em Subestações e Formador Profissional