A micro-produção de energia eléctrica baseada em fontes renováveis, não poluentes está actualmente ao alcance de todos. À existência de equipamentos capazes de aproveitar essas fontes associa-se actualmente um procedimento de licenciamento simplificado perfeitamente acessível ao cidadão comum.
INTRODUÇÃO
O regime simplificado aplicável à microprodução de energia eléctrica foi criado pelo Decreto-Lei n.º 363/2007de 2 de Novembro, do Ministério da Economia e da Inovação e enquadra-se no regime especial de produção de electricidade previsto no Sistema Eléctrico Nacional (SEN)cujas bases gerais foram estabelecidas no Decreto-Lei n.º 29/2006, de 15 de Março.
Saliente-se que a microprodução de energia eléctrica em baixa tensão foi regulada pelo Decreto-Lei n.º 68/2002, de 25 de Março, mas a filosofia então subjacente era a de que a produção se destinava a ser entregue à rede pública de electricidade e, como talo complexo formalismo inerente ao seu licenciamento desencorajou a população em geral, pelo que passados mais de cinco anos o número de instalações de microprodução não é relevante.
Pretende-se agora dar uma nova perspectiva à microprodução, assumindo que esta se destina predominantemente ao consumo próprio do produtor, podendo, eventualmente, a produção excedente ser entregue a outros consumidores ou à rede pública de electricidade, mas neste último caso impondo um limite de potência de 150 kW. Adoptando esta perspectiva e com o objectivo de facilitar a acção dos cidadãos que se interessem por esta actividade o formalismo necessário ao licenciamento da instalação de microprodução é muito simplificado.
SER MICROPRODUTOR
Qualquer entidade que possua um contrato de compra de electricidade em baixa tensão pode ser microprodutor de energia eléctrica, devendo a unidade de microprodução ser integrada no local da instalação eléctrica de utilização.
Contudo, no caso do microprodutor ter excedente de energia produzida, relativamente ao consumo próprio da sua instalação, ele não poderá injectar na Rede Eléctrica de Serviço Público (RESP) uma potência eléctrica superior a 50% da potência contratada para a sua instalação eléctrica de utilização, exceptuando o caso da entidade ser um condomínio em que esta limitação não se aplica.
Existe, também, uma possibilidade de restrição da actividade de microprodução relacionada com o funcionamento dos postos de transformação da RESP, cuja avaliação é da competência do operador da rede de distribuição.
Dado que a microprodução está ligada à instalação de utilização de energia eléctrica, uma entidade detentora de várias instalações de utilização com contrato individualizado poderá estabelecer uma unidade de microprodução em cada uma das instalações.
Para exercer a actividade a entidade tem de estabelecer com a RESP um contrato de compra e venda de energia eléctrica e poderá vender a totalidade da sua produção, desde que não exceda o limite de potência referido anteriormente.
Obviamente que a entrega à RESP da energia produzida tem de ser feita sem causar perturbação na mesma, pelo que a instalação de microprodução tem de respeitar as regras técnicas em vigor e estar disponível para ser inspeccionada se a entidade competente assim o entender.
Os custos de ligação da instalação de microprodução à RESP, bem como o respectivo contador de venda de energia, ficam a cargo da entidade micro-produtora, que, em determinadas situações (aproveitamento eólico ou com livre acesso do público), terá de ter um seguro de responsabilidade civil.
SER INSTALADOR
Podem ser instaladores de unidades de microprodução de energia eléctrica os empresários em nome individual ou as sociedades comerciais, bastando-lhes para isso possuírem alvará ou título de registo no Instituto da Construção e do Imobiliário, I.P. (InCI). Além disto, terão de estar registados no Sistema de Registo de Microprodução (SRM), registo este que será válido por três ano, sao fim dos quais caduca e terá de ser pedido um novo registo. Adicionalmente, cada entidade instaladora terá de ter um técnico responsável por instalações eléctricas de serviço particular, tal como está previsto no Decreto Regulamentar n.º 31/83 de 18 de Abril.
RECUPERAÇÃO DO INVESTIMENTO
Quando uma entidade faz um investimento tem a expectativa de lucrar com ele, ou pelo menos de o recuperar durante o tempo de duração do mesmo. Esta será certamente a situação no caso de um investimento em microprodução, em que, para além da contribuição positiva para a sustentabilidade da vida no nosso planeta, a entidade esperará, com a energia gerada, pelo menos recuperar o montante investido na aquisição e instalação do equipamento.
Nos casos em que a microprodução se destine ao consumo próprio as contas são relativamente fáceis de fazer, já que bastará multiplicar o valor da energia produzida pelo preço a que entidade a paga ao distribuidor, isto estendido por todo o período correspondente ao tempo de vida útil da instalação.
Nos casos em que a microprodução se destine, parcial ou completamente, à entrega da energia à RESP estão previstos dois regimes remuneratórios, a saber: o regime geral, aplicável a todas as entidades que tenham acesso à actividade, e o regime bonificado, aplicável a situações especiais.
O regime remuneratório bonificado só é aplicável a unidades de microprodução com potência de ligação até 368 kW que utilizem como fontes de energia a energia solara eólica, a hídrica, a cogeração a biomassa, as pilhas de combustível baseadas em hidrogénio proveniente de microprodução renovável, ou uma combinação das fontes enumeradas. Para além da restrição referida, as situações especiais referidas no fim do parágrafo anterior, que têm acesso ao regime remuneratório bonificado, são as seguintes:
- Entidades com unidades de cogeração a biomassa, desde que esta esteja integrada no aquecimento do edifício
- Entidades com unidades de microprodução que utilizem outras fontes de energia, diferentes da referida no ponto anterior, desde que disponham de colectores solares térmicos para aquecimento de água na instalação de consumo e que a área destes não seja inferior a 2 m2
- Condomínios, desde que estes realizem uma auditoria energética ao seu edifício e que tenham implementado as medidas de eficiência energética sugeridas pelo auditor com período de retorno do investimento até dois anos.
Saliente-se que quando se refere remuneração da energia entregue à RESP, isto se refere apenas à energia activa, que é a única que é remunerada.
Para cada produtor do regime bonificado define-se uma tarifa única de referência, que é aplicável à energia produzida no ano da instalação e nos cinco anos civis que se lhe seguem. A tarifa única de referência é de € 650/MWh para os primeiros 10 MW de potência de ligação registada a nível nacional e para a restante potência registada a nível nacional, por cada 10 MW adicionais de potência registada a nível nacional haverá uma redução sucessiva de 5% no valor indicado acima. Por isso, as entidades produtoras que mais rapidamente se registarem terão mais possibilidades de pertencerem ao primeiro grupo de 10 MW e, caso pertençam ao regime bonificado, terão uma maior remuneração por cada MWh de energia entregue à RESP.
Após o período de cinco anos referido anteriormente para a tarifa única de referência, durante mais dez anos aplica-se à instalação uma remuneração, anualdo MW, ha tarifa única correspondente à que for aplicável, em 1 de Janeiro desse ano, às novas instalações que lhe sejam equivalentes. Findo este período de dez anos, será aplicada a remuneração correspondente ao regime geral.
A tarifa única de referência definida para cada produtor, que foi referida há uns parágrafos atrás, obtém-se aplicando ao valor máximo da tarifa única de referência (€ 650/ MWh) um factor percentual que depende do tipo de energia renovável utilizada na produção de energia eléctrica, da seguinte forma:
- 100% se é energia solar
- 70% se é energia eólica
- 30% se é energia hídrica
- 30% se é cogeração a biomassa
- Para as pilhas de combustível a hidrogénio, é aplicada a percentagem que é aplicada à fonte renovável utilizada para obter o hidrogénio
- Se se tratar de uma unidade que combine o recurso a mais do que uma fonte renovável, a percentagem a aplicar será obtida através de uma média ponderada, em que os factores de ponderação dependem dos limites máximos definidos para a energia anual vendida.
Os limites anuais de energia vendida no regime bonificado são de 24 MWh/ano no caso de energia proveniente de fonte solar e de 4 MWh/ano no caso das restantes fontes renováveis. Estes limites são definidos para cada kW de potência instalada.
Também o valor da potência de ligação registada no regime bonificado tem um limite anual, que no ano de entrada em vigor do decreto-lei, que é 2008 é de 10 MW e anualmente terá um aumento sucessivo de 20%.
REGISTO DA ACTIVIDADE
A Direcção Geral de Energia e Geologia (DGEG) tem a seu cargo a coordenação do processo de gestão da microprodução, sendo para tal criado o Sistema de Registo da Micro-produção (SRM)no qual as entidades terão de se inscrever se pretenderem instalar uma unidade de micro-produção.O registo assume uma forma simplificada, que se resume ao preenchimento de um formulário electrónico disponibilizado na página Web da DGEG. Nesse registo a entidade terá já de indicar qual o regime remuneratório (geral ou bonificado) em que se pretende inscrever e o comercializador de energia com o qual pretende celebrar o contrato de compra e venda de energia eléctrica. Deverá indicar também um outro comercializador, dito de último recurso, com o qual o contrato de compra e venda da energia será celebrado se o primeiro comercializador indicado não pretender celebrar o referido contrato.
Verificando-se que o pedido de registo está conforme, o registo será aceite provisoriamente, tendo a entidade cinco dias úteis para liquidar a quantia referente à taxa que lhe é aplicável.
Após o pagamento do registo provisório a entidade tem um prazo de cento e vinte dias para proceder à instalação da unidade de microprodução e requerer o respectivo certificado de exploração, através do SRM, o que é feito pelo preenchimento de um outro formulário electrónico.
No caso de uma entidade pretender fazer uma alteração à sua instalação de microprodução terá de fazer um novo registo, que compreenda a totalidade da instalação e que substituirá o anterior. Contudo, se o registo é feito no regime bonificado, os prazos relativos à definição da remuneração (indicados no ponto anterior) são contados a partir da data da instalação inicial.
O certificado de exploração será emitido na sequência de uma inspecção, que deverá ser realizada no prazo de vinte dias após ter sido requerido o certificado. A inspecção compreende uma série de verificações e ensaios e deverá ser acompanhada pelo técnico responsável por instalações eléctricas de serviço particular da entidade instaladora.
Se na inspecção referida no parágrafo anterior forem detectadas deficiências que possam colocar em perigo pessoas e bens será entregue no próprio dia uma lista das clausulas que devem ser cumpridas para colmatar as deficiências encontradas, o que terá de ser feito no prazo máximo de trinta dias, após o que haverá lugar a uma segunda inspecção. Se aquando desta ainda subsistirem deficiências que ponham em perigo pessoas e bens, o registo da unidade será cancelado. O não pagamento das taxas devidas, bem como a ultrapassagem dos prazos definidos anteriormente, resulta também no cancelamento do registo da unidade.
Ao emitir o certificado de exploração de uma unidade, a entidade responsável pelo SRM notifica o comercializador referido pela entidade que efectuou o registo, para que ele envie a esta o respectivo contrato de compra e venda de energia, o que deverá ser feito no prazo máximo de cinco dias úteis.
No caso do comercializador preferencial indicado pela entidade comunicar ao SRM que não pretende celebrar o contrato, será notificado o comercializador de último recurso indicado pela entidade no pedido de registo.
Quando finalmente o contrato de compra e venda for celebrado, a entidade produtora terá de informar, por via electrónica, a entidade gestora do SRM, a qual solicitará ao operador da rede de distribuição do local onde se situa a unidade de microprodução a ligação desta. O distribuidor terá de proceder a esta ligação no prazo máximo de dez dias úteis.
CONCLUSÕES
Actualmente estão criadas as condições legais para a democratização da produção de energia eléctrica através da instalação de unidades de micro-produção.
É criado um Sistema de Registo da Micro-produção, gerido pela DGEG, no qual as entidades que pretendam aderir à microprodução terão de se registar.
O procedimento de registo é simples e baseia-se no preenchimento de formulários por via electrónica. Aliás, praticamente toda a comunicação entre todas as entidades envolvidas no procedimento é feita por via electrónica.
Estão previstos dois regimes remuneratórios para a venda de energia à rede pública, o regime geral e o regime bonificado.
Para que uma entidade micro-produtora possa ser registada no regime bonificado terá de corresponder a uma série de requisitos e há uma limitação da potência anual que poderá ser registada neste regime, pelo que as entidades que pretendem aderir à microprodução neste regime remuneratório terão mais vantagem se o fizerem logo no inicio de cada ano civil.
O registo da instalação de microprodução, que inclui uma primeira inspecção, bem como a realização de uma segunda inspecção, devido à existência de anomalias aquando da primeira, são actos sujeitos ao pagamento de taxas.
A violação de regras legais em vigor é punível com coimas e até perda de direitos.
O decreto-lei que cria o regime simplificado foi publicado em 2 de Novembro do ano passado e entrou em vigor noventa dias após esta data.
REFERÊNCIA
Decreto-Lei n.º 363/2007, de 2 de Novembro, do Ministério da Economia e da Inovação – Diário da República1.ª série – N.º 211, pág. 7978 a 7984.AUTOR: Custódio Dias - Departamento de Eng. Electrotécnica do Instituto Superior de Engenharia do Porto