A captação de descargas atmosféricas é um dos pontos do projecto electrotécnico mais descurado pela maioria dos projectistas. Exige, na pior das hipóteses, coordenação com o projecto de estruturas, arquitectónico e civil. É moroso na sua definição e no seu traçado. Verifica-se uma total ausência de espírito crítico na escolha dos sistemas a aplicar, deixando o marketing de sistemas milagrosos e de fácil instalação sobrepor-se à real função da engenharia.

O sistema de captação
O objectivo de um sistema de captação é interceptar uma descarga atmosférica, conduzir a corrente de forma segura, através de baixadas, e por último dissipar as correntes através do sistema de terras. Tem, como finalidade, a protecção de vidas, edifícios e bens.
O IEC (Comité Electrotécnico Internacional) sob a norma IEC 62305 define de forma clara e objectiva todas as premissas para a realização de um sistema de captação de descargas atmosféricas. Em ponto algum encontramos referências a pára-raios com dispositivos ionizantes não radioactivos. Podemos reflectir sobre a existência de uma NP 4426, baseada numa norma espanhola (UNE 21186:1986) que por sua vez é uma tradução de uma norma francesa (NF C 17-102:1995) que tutela a utilização de dispositivos ionizantes não radioactivos e que é baseada na norma IEC61024, entretanto retirada.
O confronto normativo
Um pára-raios activo, segundo vários fabricantes, apresenta um raio de protecção de 60m, com um mastro de 3m de altura. A norma IEC 62305 considera um pára-raios activo uma simples haste captora Franklin (ponta de ferro), em que o raio de protecção é dado pelo método do ângulo (uma haste com 3m apresenta cerca de 12m de raio de protecção). Ficará o engenheiro descansado ao preconizar para um sistema que segundo o IEC tem apenas um raio de protecção de 12m quando necessita de um raio de protecção mais elevado?
A reflectir:
- Sendo Portugal um dos membros do IEC, não deverá zelar para que as normas definidas e desenvolvidas em conjunto se sobreponham às normas nacionais, muitas vezes impostas e definidas por lobbies de fabricantes?
- Será a classe de engenharia suficientemente criteriosa na escolha e definição dos sistemas, que têm como objectivo primário a protecção de vidas humanas?
Como se define um sistema de captação?
- Os Pontos de captação
- Hastes captoras (inclui todas as pontas metálicas sobrelevadas à cobertura)
- Cabos em
catenária - Condutores emalhados
- Posicionamento dos pontos de captação
- Os métodos aceitáveis, para determinar o posicionamento dos pontos de captação, são os seguintes:
- O método da esfera fictícia pode ser utilizado em todos os edifícios.
- O método do ângulo é intuitivo mas limitado para edifícios com alturas elevadas, como se pode comprovar na figura 2.
- O emalhado é utilizado para proteger edifícios com cobertura plana.
Figura 1 – Métodos para determinar o posicionamento dos pontos de captação.
Tabela 1 –Valores limite dos métodos de protecção em função do nível de protecção do sistema de captação.
Figura 2 – Determinação do ângulo em função da altura e do nível de protecção (Método do Ângulo).
Princípios de instalação de um sistema de captação num edifício com telhado inclinado
1.º – Determinar a altura do edifício e nível de protecção
A altura do edifício é o ponto de partida para planear o sistema de captação. Em primeiro lugar deverá ser previsto um condutor principal que percorra a cumeeira do edifico. Considere-se um edifício com 10m de altura, Figura 3.
Figura 3 – (1) Altura do edifício; (2) Raio de protecção.
A definição do nível de protecção é o ponto mais subjectivo. A OBO utiliza a directiva VdS 2010, Tabela 2.
Aplicação (segundo VdS 2010) |
Nível de protecção |
Sector químico ou áreas com perigo de explosão. |
II |
Centro de dados, aplicações militares, centrais nucleares. |
I |
Sistemas fotovoltáicos > 10kW. |
III |
Museus, escolas, hotéis com mais de 60 camas. |
III |
Hospitais, igrejas, armazéns, zonas de concentração de mais de 100 indivíduos. |
III |
Edifícios administrativos, pontos de venda, escritórios e bancos com áreas superiores a 2000m2. |
III |
Edifícios residenciais com mais de 20 fogos, edifícios com mais de 22m de altura. |
III |
Outras situações. |
IV |
Tabela 2 – Nível de protecção de um sistema de captação.
2.º - Determinar o raio de protecção
A altura do edifício determina directamente o ângulo de protecção do sistema de captação.
Considerando uma protecção de nível III, para este sistema, determina-se, com base na Figura 2, o ângulo de protecção [αº] para uma altura de 10m, 62º. Com este ângulo, é possível definir o raio de protecção, Figura 3, e verificar quais os elementos que ficam fora da área protegida.
3.º - Protecção dos elementos de construção fora das áreas de protecção
Todos os pontos, que se encontrem fora da zona de protecção, Figura 4, devem ser alvo de protecção isolada. Ao considerarmos, a título exemplificativo, um diâmetro de 70 cm para a chaminé, determinamos a altura do ponto de captação, em relação ao topo, para que todas as arestas estejam protegidas.
Figura 4 – Protecções suplementares.
4.º - Completar o sistema
Deverão ser definidas as prumadas desde os pontos de captação até ao sistema de terras. As pontas do cabo de captação nas cumeeiras deverão ser dobradas a 45º com um comprimento de 0.15m para ampliar a área de protecção.
Princípios de instalação de um sistema de captação num edifício com cobertura plana
1.º – Instalação do sistema de captação
Deverá ser instalado um cabo redondo, na periferia do edifício, com o objectivo de proteger os pontos mais propensos a descargas, os cantos. Transfira a altura do edifício para a figura 2 e defina a área de protecção, Figura 5.
Figura 5 – (1) Raio de protecção
2.º - Determinar o reticulado do emalhado
O emalhado é definido por um reticulado mais, ou menos apertado, consoante o nível de protecção, Tabela 1.
3.º - Protecção contra impactos laterais
Caso o edifício tenha uma altura total superior a 60m, figura 6, deverá ser contemplada protecção contra descargas laterais. A protecção lateral traduz-se num prolongamento do reticulado, calculado para a cobertura, mas instalado lateralmente. A altura mínima lateral a proteger é de 20% da altura total do edifício.
Figura 6 – Protecção contra descargas laterais em que (1) é a altura total do edifício.
Protecção isolada de equipamentos a instalar na cobertura plana
Todos os elementos metálicos, que introduzam tubos ou cabos para o interior do edifício, devem ser alvo de uma protecção isolada. Painéis fotovoltáicos, antenas, unidades de tratamento de ar, etc…, devem ser protegidos da seguinte forma:
Método do Ângulo
Devem ser contempladas pontas de captação cujo raio de protecção inclua toda a estrutura a proteger. A ponta de captação deverá estar o mais perto possível do elemento a proteger, tendo sempre em conta a distância de separação.
Figura 7 – Exemplo de uma protecção isolada.
Distância de separação:
Os pontos de captação, deverão estar distanciados de tal forma que, em caso de condução de uma corrente de descarga, não se verifique um arco eléctrico entre a captação e o elemento a proteger.
Como se calcula a distância de separação?
S = Distância de separação
Ki = Coeficiente que depende do nível de protecção
Kc = Coeficiente que depende do arranjo geométrico da captação
L = Comprimento da ponta de captação
Km = Coeficiente dependente do material entre a distância de separação
Nível de protecção |
Ki |
I |
0.08 |
II |
0.06 |
III e IV |
0.04 |
Material |
Km |
Ar |
1 |
Betão, Tijolo |
0.5 |
Cálculo do coeficiente Kc:
Se se tratar de uma ponta de captação isolada Kc=1 (Tabela C.1 62305-3 IEC:2006).
Se o sistema for um emalhado o coeficiente Kc traduz-se da seguinte forma:
c = Distância entre prumadas
n = número total de prumadas
h = altura entre o sistema de terras e a captação.
Segue-se um exemplo de cálculo para um sistema com uma ponta captora e um emalhado em que o material a considerar é o betão.
n = 4 ; c = 15 m ; h =7,5m
Nível de protecção = III
Kc1=1
l1=6m
l2=7,5+7,5=15m
> Sinopse
Um projecto de captação de descargas atmosféricas é bastante complexo. Todas as indicações e premissas acima descritas são superficiais e devem ser alvo de um estudo mais aprofundado.
A OBO Bettermann disponibiliza-se, através de uma equipa multidisciplinar, a auxiliar na definição do projecto e na instalação das soluções em obra. Mais rigorosos e actuais, sempre de acordo com as normas europeias.
Alexandre Cruz (Eng.º)
Coordenador do Departamento Técnico da OBO BETTERMANN